Contando com faixas, em sua maioria, alegres, assim como em Luz, Lilás poderia ser radiofônica por natureza como seu antecessor. Porém não é exatamente isso que o álbum explora. Diferente de Luz que colocou cinco de suas faixas como hits do cantor e compositor alagoano, Lilás o fez apenas com duas: Esquinas e Lilás, do disco homônimo.

A beleza e a graça de Lilás está na exploração do som em sua forma mais suingada possível e da fonética de um aparente absurdo. Parece que o disco é repleto de cores, desta vez soando mais como uma pintura expressionista abstrata do que surrealista-impressionista. Agora Djavan parece experimentar o Vangoghismo musical criando ambientes coloridos de forma completamente abstrata, desta vez, porém, através de pinceladas inteiras, ao invés de pontilhados. As frases e palavras são espalhadas como temas dentro das canções, formando um ambiente próprio que é difícil de não se emaravilhar. Na minha opinião, o melhor disco da carreira depois de Luz.
1. Lilás: "Amanhã outro dia, lua sai, ventania, abraça uma nuvem que passa no ar, beija, brinca e deixa passar". O verso inicial de Lilás é basicamente um quadro abstrato móvel, quase onírico, que mergulha o ouvinte num mar de sons amontoados. Erguido sobre o new wave e funk groove dos anos 80, sintetizador, baixo funk e bateria, o pop de Djavan é enfeitado pelas firulas de arranjos típicos da época e talvez tenha sido por esse motivo que alcançou como hit o grande público brasileiro e estrangeiro.
2. Infinito: Segunda faixa funkeada do disco, Infinito segue o princípio da harmonia simples e melodia suingada. A equipe americana que montou o arranjo instrumental de Lilás desta vez investe pesado no baixo e na guitarra, entregando um dos solos mais bonitos do disco. Sem pretensão de entregar uma faixa complexa, Djavan pinta um quadro em tons de roxo durante boa parte da música. Em seguida, floreia um pré-refrão um pouco mais complicado para, enfim, desaguar num refrão que brinca com os compassos. Djavan avisa: "Te vejo lá no luar, te espero lá do sol" no arranjo único que o sintetizador finaliza com muita beleza.
3. Esquinas: Segundo sucesso radiofônico de Lilás, esquinas é criado sobre um ambiente cristalino e cavernoso, como se encerrasse o ouvinte numa gruta. Djavan brinca com as notas altas e baixas através do pad de timbre fragmentado e do saxofone que entra solando de supetão próximo ao final, dando a dramaticidade necessária, mas não exagerada, que a poética lírica carrega.
4. Transe: A partir desta faixa, o disco Lilás adquire um novo conceito abstrato de forma melhor explorada que em Luz. Transe é tudo, menos óbvio. A lírica absurda se junta com a tinta harmônica e o arranjo ansioso para formar um mundo completamente novo em que notas dissonantes e sétimas se unem num só corpo coeso. A música é uma pérola perdida em Lilás que foi resgatada por Djavan em sua turnê Ária, o que fez com que aqueles "hitfans" ficassem atordoados ao vivo.
5. Obi: Faixa mais abstrata do disco, Obi é uma de suas mais belas composições de samba. Parecendo feita especialmente para estrangeiros cantarem, Obi não necessita de um significado especial para demonstrar toda sua emoção interpretativa. Djavan instala o conceito do abstratismo de forma coerente: o que está ali pode não fazer sentido, mas o que você sente em relação àquilo, a impressão que fica, é o que realmente importa. Obi faz Açaí parecer um texto jornalístico de tão grande seu abstratismo e colorido sonoro.
6. Miragem: Continuando na linha do abstratismo lírico e musical, Miragem demonstra que Djavan é um verdadeiro monstro no que diz respeito a passar mensagens emocionais na forma de sons. Miragem é uma das melhores, se não, a melhor faixa do álbum, com muita honra. Garantia do prêmio de harmonia mais complexa dentre muitas composições de Djavan até então, Miragem é uma pintura de muitas cores dispersas, dos mais diferentes espectros, derivadas de um arranjo intrincado, evolutivo e concatenado com cada palavra. Simplesmente magistral e impressionante.
7. Íris: Faixa psicodélica, Íris apresenta características de arranjo e harmonia muito semelhantes a Transe, porém é bem mais suingada. Íris utiliza não apenas do jogo entre fonemas semelhantes para a criação do arcabouço harmônico, mas também palavras inteiras. A faixa é construída basicamente de baixo, sintetizador e um saxofone que faz sua aparição apenas próximo ao final, assim como em Esquinas.
8. Canto da Lira: A mistura do baião com o groove é uma experimentação que músico brasileiro nenhum no Brasil, além de Djavan, tinha o direito de fazer. Isso não bastou para tornar esta faixa uma experimentação completa: A segunda parte da música é completamente diferente do resto, possuindo um ritmo arrastado de algo entre reggae e bolero. A mistura fica tão estranha que a faixa pode ser digna da alcunha de mais experimental e abstrata do álbum. A lírica psicodélica é um show à parte: misturando o abstrato com o absurdo, Canto da Lira fala de algo que provavelmente só faz sentido na mente do seu criador.
9. Liberdade: A faixa final é ambientada numa redoma de sons ecoados, típicos da balada dos anos oitenta. O sintetizador e a bateria fazem todo o trabalho de trazer o psicodelismo à faixa de forma a tornar parte de um mundo onírico completamente vago e fugaz, sem limites propriamente estabelecidos. Liberdade é todo o trabalho de juntar o sereno com o histrionismo vocal de Djavan, concluindo a faixa com uma serenidade quase silenciosa e que dá fim à obra mais abstrata do artista até hoje.
A próxima postagem será sobre o álbum mais comportado e sensível que Djavan fez desde seu primeiro, Oceano (1989), originalmente de nome apenas "Djavan".
oi bruno real ser vc ouvir trechos do refrão da music lilas estão sendo usada no funk carioca por exemplo na musica cantada pelo jhama ter ensinei centi e na musica do grupo melanina carioca deixa ser envolver escuta essas musicas vc vai percebe a influencia do djavan.
ResponderExcluirAmigão falar que álbum lilás só contém 2 hits me parece no mínimo uma heresia,o que falar de liberdade;regravada inclusive por Simone
ResponderExcluir.liberdade é pra a maior música há feita em língua portuguesa e falo em todos os tempos.sou baiano e tenho um trauma de Djavan e Chico Buarque não terem nascidas na Bahia,se juntando a caetano,Caymmi,João giberto;Assis Valente e Gilberto Gil.
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ResponderExcluirParabéns por sua análise! Estou ouvindo toda a obra desse mestre da nossa música popular brasileira, chegando a conclusão de que Djavan não é só um substantivo, mas um adjetivo também.
ResponderExcluirMuito obrigado, senhor Bruno Leal.