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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Homenagem musical: Djavan

Djavan Caetano Viana, nascido em Maceió, Alagoas, é um dos maiores nomes da música popular brasileira de todos os tempos. Eleições da Rolling Stones Brasil à parte (que miseravelmente o pôs em octagésimo lugar entre cem), Djavan ainda é tema de discussão no que diz respeito ao seu trabalho.

E como o mestre está prestes a completar 66 anos no próximo 27 de Janeiro, este que vos escreve pretende analisar disco por disco, entre os principais, da extensa carreira do nosso Djá.


Djavan começou sua produção de álbuns bem depois de já ter composto e arranjado músicas para trilhas sonoras de novelas da Rede Globo. O que o lançou para o grande público foi sua vitória como segundo lugar no Festival Abertura com a canção "Fato consumado", perdendo o primeiro lugar para Carlinhos Vergueiro. Após o festival, foi encaminhado à Som Livre por Aloysio de Oliveira (produtor que lançou nomes como Tom Jobim e Carmen Miranda) e ali desenfornou seu primeiro disco: A voz, o violão, a música de Djavan, posteriormente intitulado de Djavan: A voz e o violão.


O nome do disco é praticamente um slogan da música de Djavan: Voz e violão. De timbre singular e violão vibrante, Djavan possui uma cadência única, exposta na canção "Fato consumado", com a qual participou no festival de música da Globo. A composição rítmica complexa, alimentada pela forma em que versos eram encadeados com a harmonia elaborada, é característica raiz de Djavan. O cantor alagoano antecipou um novo conceito de música popular brasileira ao tornar o caldo deste disco. Na verdade, o álbum nada mais é que uma clarividência do que viria a seguir na história da música brasileira.

1. Flor de Lis
Considerado seu samba-bossa mais famoso, Flor de Lis já foi alvo durante muito tempo de conspirações em relação à sua letra. É famoso o hoax sobre a morte da filha, Margarida, e da esposa, Maria. Boatos à parte, Flor de Lis é o carro-chefe do disco. A letra é sobre arrependimento. As primeiras estrofes, embora melancólicas, podem ser cantadas de maneira agitada, sem problemas. A isto se referencia a rebeldia de Djavan em seu lirismo musical, característica fundamental do seu estilo: A letra perfaz praticamente a função de métrica, não necessariamente trazendo um sentido claro para o público ou com um significado existencial profundo. Quase uma bossa mais agitada, o forte som dos pratos de percussão deixam bem claro o temper jazzístico aplicado ao samba. O refrão animado, e ao mesmo tempo triste, dos backing vocals embala os ouvidos.

2. Na Boca Do Beco: Contando com um arranjo mais próximo do samba propriamente dito, a música valoriza o violão do início ao fim, carregando-se de acordes encadeados perfeitamente com o ritmo vocal. A temática da faixa é sobre jogos de azar e homicídio, porém, novamente, a cadência musical é bem animada. Cheio de síncopes, o samba demonstra o domínio completo de Djavan sobre o violão.

3. Maçã Do Rosto: Aqui nós temos um corte violento no estilo mais sambístico que o disco apresentava até então. Maçã do rosto é um xote animado - um mix de Gilberto Gil, Luiz Gonzaga e Dominguinhos - acompanhado ao fundo por um baixo poderoso e um solo de guitarra acelerado que substitui a viola caipira. Mais uma vez, o ritmo complexo perfeitamente encaixado à letra torna a execução da canção única entre as canções nordestinas até então criadas no Brasil.

4. Pára-Raio: A faixa sambística carrega o que poderíamos classificar como a carga conceitual da criação de Djavan: Lirismo altamente conectado ao ritmo do violão, a parcial e aparente ausência de significado na letra e o arranjo intrincado, um quase caos pra época. A música praticamente arremessa o ouvinte para dentro do mundo particular da criação autoral de Djavan sem dó, proibindo qualquer tipo de interpretação auditiva que não seja "esta música é do Djavan" à primeira audição.

5. E Que Deus Ajude: Djavan volta ao samba sincopado jazzístico para contar a própria visão sobre sua carreira. Incorporando alguns elementos de outras faixas, E Que Deus Ajude é autobiográfica e focada em manter o ouvinte atento à letra. O lirismo continua conectado, porém desta vez, conta uma história linear. 

6. Quantas Voltas Dá Meu Mundo: Mergulhando o ouvinte na complexa e, ao mesmo tempo simples, música nordestina, Quantas Voltas Dá Meu Mundo repete em cinco estrofes semelhantes versos sobre a vida pacata do sertanejo. Harmonicamente complexa, a canção se destaca por um recurso famoso de Djavan: os fonemas aparentemente sem significado participam do arranjo e da melodia de forma complementar e inconfundível, dando mais colorido ao arranjo simples do violão.

7. Maria das Mercedes: Djavan desta vez se afasta bastante da proposição rítmica comum do foi feito até então. Maria das Mercedes brinca com a métrica sem dó e junta pandeiros a uma sopa harmônica esquisita, porém melodicamente redonda. A música simplesmente obriga o ouvinte a novamente adentrar no mundo particular de Djavan debaixo da complexa e ao mesmo tempo singela arquitetura de uma letra cômica.

8. Muito Obrigado: Outro samba jazzístico do álbum. Semelhante a E Que Deus Ajude, a canção se concentra a manter o ouvinte preso à letra. Faz com maestria o que propõe entregando uma melodia agradável e um refrão chiclete.

9. Embola A Bola: Djavan inicia a canção utilizando a palavra Cateretê, nome de uma dança rural brasileira de provável origem tupi, como se fosse um acompanhamento melódico da introdução, bem como durante o refrão. Tal conceito de utilizar um jogo de sons formados pelos fonemas entre os versos de uma música é utilizado por Djavan até hoje, principalmente em sambas. No caso deste "samba educado" (provável influência de Paulinho da Viola), o lirismo dá voltas em um assunto que o ouvinte não consegue compreender, forçando-o a prestar atenção na melodia, no violão e nas notas soltas ao fundo.

10. Fato Consumado: Embora não goste de samba, nesta faixa, o ouvinte é imediatamente levado a dançar. As síncopes bem casadas ao ritmo frenético do violão tornam esta a música mais interessante do disco. A letra fala de uma queixa amorosa direta a alguém e soa coerente, diferente do lirismo hermético de outras faixas de samba do álbum. Talvez por esse motivo Djavan tenha preferido apresentar esta composição no Festival da Canção: Era a mais "acessível" aos ouvidos educados da época. Pois, embora estivéssemos em franca ascensão de revoluções musicais como Clube da Esquina e Acabou Chorare, o festival era voltado a um público mais conservador.

11. Magia: Desta vez, Djavan lança pro alto todo o bom comportamento de Fato Consumado e arranca o ouvinte da zona de conforto. A faixa, totalmente diferente de tudo que foi feito no disco, parece estar realmente coberta por uma aura mística e o arranjo é, sem dúvidas, o mais genial do álbum. Misturando elementos instrumentais nordestinos "brancos" com o samba de roda negro, Magia é mais uma faixa que obriga o ouvinte a mergulhar profundamente no mundo complexo da harmonia djavânica. Estranho e hipnótico, o lirismo é espetacular, principalmente no verso em loop "Reserve o mito da magia só para você". Esta espiral de sons tem o intuito de extrapolar o jogo de fonemas, chegando a um nível mais elevado, ao acompanhar a voz de Djavan e dos backing de forma suave e "sobrenatural". Minha faixa preferida do álbum.

12. Ventos Do Norte: Nesta faixa Djavan finalmente lança de antemão o que será mostrado ao público nos próximos anos. Conceitual até a alma, Ventos do Norte mistura a música nordestina com a harmonia tipicamente norte-americana do blues. A canção dá liberdade ao ouvinte de escutar tanto o blues, quanto a serenata nordestina separadamente, ou então misturar os dois num processo quase que neutralizante. Serena e bem direcionada, a melancolia da letra acompanha o blues e a serenata de maneira igual, criando a sensação de entender duas canções em uma só.

Com a conclusão da última faixa, nota-se que  o disco "Djavan: A Voz e o violão" não meramente apresenta os principais elementos da criação de Djavan como também inicia processos pioneiros na música brasileira, como exemplo, a mistura da música nordestina com os ritmos negros norte-americanos.

O próximo álbum analisado será Alumbramento (1980), álbum que insere os conceitos criados em Ventos do Norte, Magia e Pára-raio de maneira exponencial.

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