Em seguida, Meu Lado (1986) veio como um álbum de incertezas e miscelâneas, assim como foi Seduzir (1981). Meu Lado contava com a música africana mesclada com sambas, funk psicodélico, soul, música nordestina e duas faixas interpretadas por Djavan totalmente em dialetos e línguas do continente africano: Nkosi Sikelel l-Afrika e So Bashiya Ba Hlala Ekhaya.
Logo depois, tivemos um álbum de transição entre o Djavan mais experimental e o Djavan mais maduro: Não É Azul, Mas É Mar (1987). O álbum mais internacional do artista até então, foi gravado em Los Angeles e vendido em diversos países pelo mundo. O músico brasileiro estava alcançando prestígio mundial e começou a assentar seu estilo a partir deste disco, que contava com uma mistura de tudo de interessante da música brasileira, principalmente o samba, música latina e uma espontânea influência da música espanhola, com algumas referências à cidade de Barcelona.
Então, chegamos a 1989, com um dos álbuns mais maduros do artista. Quando Djavan parecia ter assentado seu estilo, resolveu compor este álbum sem nome conhecido como Oceano, ou apenas Djavan (1989). Embora seja um álbum essencialmente misto, não é dado às incertezas de arranjo e ambientação da fase Seduzir-Luz-Lilás. O álbum é extremamente coeso e parece querer mostrar uma cara nobre do Brasil, como o romantismo de Gonçalves Dias. Sensível até dizer chegar, Oceano cria no ouvinte a sensação de que está sendo levado de canoa, sem pressa ou ansiedade, para cada canto do mundo de Djavan.
1. Curumim: A faixa inicial do disco oferece uma boa ideia do que ele será: criativo, sensível e melódico. Iniciando a percussão indígena, bem diferente do tribal africano dos discos anteriores, a faixa parece arrastar o ouvinte para dentro da floresta tropical. Contando a história de um índio criança (curumim) apaixonado, Curumim traz referências modernas como o G. I. Joe e lápis de cor, significando que a linguagem com a cultura indígena é principalmente figurada. A bela harmonia é de um sensibilidade à flor da pele, tocando o coração de qualquer um com a pureza da canção indígena. O arranjo é primoroso, recheado de contrapontos entre os baixos e o violão, envolve o ouvinte completamente na ambientação rústica da temática. Observação importante à voz feminina que entra após a primeira parte, versando uma belíssima monofonia que permanece até o fim. Uma das melhores faixas do álbum.
2. Oceano: Faixa que acabou criando o mito de que Djavan (1989) tivesse o nome de Oceano. A mais famosa do álbum e uma das estruturas melódicas mais sólidas da história da MPB. É impossível não se embalar pela melodia, pelo trombone e pelo teclado de Oceano, assim como violão que faz o ouvinte se perder completamente em meio aos solos "flamenco" (do mítico Paco de Lucia) que adornam a canção em diversos momentos. Lírica envolvente e apaixonada, Oceano é bem distante do abstratismo típico de Lilás e do surrealismo de Luz, tornando esta faixa uma dos maiores referências a Djavan até hoje. "Você deságua em mim e eu oceano" ou "Você diz: água em mim. E eu: Oceano"?
3. Corisco: Parceria com Gilberto Gil, Corisco é a representação nordestina de Oceano. Misturando o R&B suingado com a música nordestina, Corisco é uma composição em que facilmente podemos imaginar Gilberto Gil cantando perfeitamente encaixado com o arranjo e encadeamento harmônico que a música carrega. Porém Djavan já havia experimentado tal mistura antes em Meu Lado, com a faixa "Romance", e também se saiu muito bem. Familiar com a produção mista e já tendo feito outra canção com Gil, (Nvula Ieza Kia/Humbiumbi), Djavan novamente acerta o ponto.
4.Vida Real: Composição original de Nelson Motta, Chico Novarros e Michael Ribas, Vida Real é uma balada soul bem arranjada para Djavan interpretar. Não chega a ser uma experimentação, mas sim um revisitação do conceito explorado pelo artista em outros álbuns, como Seduzir e Não É Azul, Mas É Mar. Marcado por um sax poderoso, Vida Real possui uma ambientação típica do fim dos anos 80.
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Nelson Motta |
5. Cigano: Djavan resolve continuar a dar seus saltos na música contemporânea nesta faixa. Erguido sobre uma lírica coesa e poderosa, Cigano possui uma magia própria que é conquistada com pouco esforço através da guitarra e da percussão tipicamente do smooth jazz, porém menos compassada. Capaz de fazer bem aos ouvidos logo à primeira audição, Cigano é uma faixa comprometida com sensações das mais variadas formas. Talvez seja a faixa mais difícil de transcrever tecnicamente sem precisar lidar com o sublime melódico e com o arranjo que toca no fundo da alma da maneira mais irresistível possível. Por mim, a melhor faixa do álbum junto de Curumim.
6. Avião: Ainda comportado até aqui, Djavan lança mão no que sabe fazer de melhor: Samba sincopado. Avião dista bastante de outros sambas feitos pelo alagoano em termos harmônicos por possuir um jeito meio samba de gafieira, meio bossa-nova de lidar com acordes. A lírica é bastante interessante com uma temática nova sobre liberdade amorosa e amor-próprio, o que até demonstra certa sobriedade e maturidade do artista em relação à própria vida. Coesa, sofisticada e sacudida, Avião funciona como uma releeitura dos sambas do primeiro disco digna de ser aplaudida de pé.
7. Você Bem Sabe: Segunda parceira com Nelson Motta, a faixa é semelhante à Vida Real no que se refere ao estilo, sem muito espaço para experimentalismo. Mas alma de Djavan está lá no violão perfeitamente encaixada no piano de Nelson. A introdução e passagem da música é digna de nota: O arranjo é belíssimo e a melodia, maestral.
8. Mal de Mim: Seguindo o princípio de Cigano (princípio este que será potencializado no Djavan mais moderno), Mal de Mim é um soft/smooth jazz sofisticadíssimo manejado no inseparável violão de Djavan. Porém, criado numa ambientação mais reclusa, dando pouca liberdade a uma potencial interpretação que não a da nostalgia e da suavidade exalante original da canção. Envolto numa aura de solidão, porém doçura, a lírica possui métrica e arranjos atípicos para um jazz, assemelhando-se bem mais com as composições de "souls nordestinas" mais brandas dos álbuns anteriores.
9. Mil Vezes: De repente, ao fim de Oceano, algo muito estranho acontece. Mil Vezes, embora seja erguida em meio à doçura e sofisticação do álbum inteiro, é de longe bem mais experimental que as faixas anteriores. Sendo uma transição entre o que ouvimos em Não É Azul, Mas É Mar e o que ouviremos em Coisa de Acender (1992), Mil Vezes já começa diferente: Uma intro de bateria e violão aparentemente desconexos com o baixo se estendem por um pouco mais de meio minuto dando lugar a um groove funk que destoa de Oceano como um todo. Em seguida, o arranjo garante boas surpresas que dão um colorido à música muito típico do próximo álbum, provavelmente experimentando o novo conceito que será lançado em Coisa de Acender. Djavan não conseguiu manter-se comportado o álbum inteiro pelo que parece. Ainda bem.
A última faixa de Oceano parece anteceder a revolução de Coisa de Acender, álbum dos mais diversificados depois de Seduzir. Então, se preparem, pois a próxima postagem tratará do criativo Djavan experimental que, aliás, já estávamos com saudades.
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