Estamos diante de um diversificação de estilos muito grande, porém uma consolidação daquilo que nasceu dez anos atrás em Luz: a suingada black abrasileirada. Coisa de Acender conta com quatro faixas de participações especiais ou composições alheias. Não obstante, o resultado final é um dos mais diversificados discos do Djavan maduro, surgido após o último "Djavan" (1989) ou "Oceano".
1. A Rota do Indivíduo: Composição original de Orlando Morais, A Rota do Indivíduo ou "Ferrugem", é uma daquelas canções que embala de forma arrepiante o coração humano. Fria e ao mesmo tempo aconchegante, a faixa apresenta o minimalismo com um arranjo incorporado apenas por um violão e a voz de Djavan durante praticamente todos os quatro minutos de duração, havendo uma quebra com a introdução do violino posteriormente. A balada sertaneja ganha na voz de Djavan um conceito melancólico, porém extremamente belo, sem cair na dramaticidade de faixas mais brandas de álbuns anteriores e atingindo a medida certa da triste canção sertaneja.
2. Boa Noite: O funk latinizado de Boa Noite é um dos grandes hits radiofônicos da carreira de Djavan. Alicerçado por um lírica profunda sobre a quebra do paradigma do amor idealizado, Djavan provoca nada menos que uma necessidade absurda de ser levado pelo contrabaixo suingado, pela guitarra leve e pelo alto sax apaixonante. Uma prova definitiva de que não apenas Tim Maia e Ed Motta produziam boas canções de black music na época.
3. Se: Outra faixa de black music latinizada e talvez seu maior sucesso até hoje, Se é exaustivamente cantada por inúmeros covers de Djavan em todo o país. Não é por menos: a canção possui uma pegada genial entre as notas e a letra, quase que grudando no cérebro. A lírica não é simples em todos os momentos, mas possui versos completamente voltados ao pop: "Você disse que não sabe se não, mas também não tem certeza que sim", "Você sabe que eu só penso em você, você diz que vive pensando em mim" e até o controverso verso "Mais fácil aprender japonês em braile do que você decidir se dá ou não". Embalado por vozes de fundo tipicas da soul music, Se é um aprimoramento do que foi iniciado em Luz (1982).
4. Linha do Equador: Outro grande sucesso do cantor e compositor alagoano, Linha do Equador é uma parceria com Caetano Veloso, seu grande amigo, mais que demonstrando a ideia de que Coisa de Acender é realmente um acertado resgate de Luz. Porém, Linha do Equador vai bem mais além, deixando de ser apenas um soul suingado para se tornar uma grande sopa de vários sabores, entre eles o samba e o funk. Tratando de um tema latino-americano e, sobretudo, brasileiro, Linha do Equador é uma faixa que traz toda a rítmica lírica da língua latina e se torna um verdadeiro retrato musical da América.
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Álbum "A Rota do Indivíduo" de Orlando Morais |
6. Andaluz: É interessante como faixas mais lado B de Djavan me conquistam. Talvez por parecerem baús esquecidos, enterrados na praia de uma ilha deserta. É o que ocorre com Andaluz, na minha opinião a melhor faixa do álbum. Andaluz é uma interessante mescla entre a música europeia e a africana, ambientada num mundo lírico confuso, onírico e que praticamente obriga o ouvinte a entregar os ouvidos comportados de uma vez. A introdução de quase um minuto passa a ideia de uma canção embalada e compassada que rapidamente é substituída por outro arranjo completamente distinto do resto do álbum, apoderado pelo piano dissonante. Após o refrão, porém, o arranjo africano surge de supetão, entrelaçado entre palavras sem muita lógica. Porém, outra quebra ocorre em seguida: Versos em francês com um forte sotaque africano, cantados por sua filha Flávia Virgínia, iniciam-se, arremessando o ouvinte contra uma parede repleta de referências desconhecidas pelo ouvido tupiniquim. Sem dúvidas, umas das faixas mais difíceis do álbum e da carreira de Djavan.
7. Outono: A sofisticada faixa seguinte é gerada no interior de um complicado jogo harmônico que há tempos não víamos em Djavan. A lírica abstrata é manejada dentro de uma ambientação do smooth jazz de uma forma ainda não realizada por Djavan em seus discos anteriores. Paradoxalmente, não há uma grande complexidade no que diz respeito ao arranjo, tornando esta mais uma bela canção minimalista do álbum.
8. Alívio: Menos focado no violão, Djavan esbanja ritmo na black music latinizada novamente, assim como fez em Se. O fretless bass de Alívio, parceria de Djavan com Arthur Maia, é um belo detalhe no arranjo da canção e, praticamente, quase toda sua alma junto ao teclado. Embora Alívio seja ambientada num mundo tropical como em Linha do Equador, a faixa é mais interiorizada e prende o ouvinte numa nova perspectiva de sua conceitual black music latina, entregando momentos realmente emocionantes.
9. Baile: A última faixa nasce do mesmo conceito de arranjo lançado em Linha do Equador. A lírica segue um padrão poético básico até chegar próximo ao final no qual Djavan inicia um estranho jogo de palavras aparentemente desconexas e cuja finalização apresenta uma conexão "tudo somos na insanidade exata do amor". Insanidade essa que Djavan retorna de forma triunfal no próximo disco, Malásia.
Então, até Malásia!
Maravilhosas as suas impressões. Genial. Para mim a melhor faixa é Andaluz. Sou completamente apaixonada por ela. Não há adjetivos suficientes para Djavan.
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